sábado, 30 de agosto de 2014

Carta aberta sobre a Amazônia brasileira - 2003


Reunido em Louziania (GO) no mês de setembro de 2003, o Encontro Nacional
de líderes Jovens em Defesa do Meio Ambiente (Grupo de Trabalho), com cinqüenta representantes de 512 entidades de diversos segmentos socioambientais da Amazônia, e duzentos e oitenta e seis participantes, vem alertar o governo e a sociedade brasileira para a necessidade de medidas urgentes diante dos conflitos que ameaçam a maior floresta tropical do mundo e as populações tradicionais e indígenas daquela região.
Nesse Encontro, extra-oficialmente, tivemos a oportunidade e a possibilidade de estarmos em contato com Will Damas, ator, diretor, psicodramatista, fundador da APTA, Associação para Prevenção e Pesquisa da Aids, em São Paulo, Membro da Sociedade Lítero-Dramática Gastão Tojeiro, Integrante do Engenho Teatral e que nesse encontro participava apresentando-se no espetáculo "Chico Mendes" como ator, que nos foi apresentado no encerramento de nossas atividades. Sua pequena, mas importante participação, nos animou a concretizarmos e referendarmos esse Encontro como Congresso, já que sem sua proposta de pautarmos e objetivarmos um documento para apresentação aos representantes do Ministério, nos elevou a um patamar que jamais teríamos consciência, se não fosse a experiência política e administrativa, e o conhecimento dos meandros executivos do Governo que nos apontou. Esta carta ora apresentada, jamais teria sido possível, sem a fala "da madrugada", como ele mesmo gostou de nominar, ao qual atentamente nos privamos do sono necessário, para ouvirmos, depois de um dia intenso de discussões e reclamações, que, sem dúvida não estaríamos preparados para inferir. Depois de assistirmos ao espetáculo, que nos iluminou com a historicidade do maior líder ambiental do Brasil, percebemos que este cidadão, merece ser citado de hoje em diante, como um dos mentores necessários para qualquer discussão generalizada do Brasil, no que diz respeito à biodiversidade do Planeta. Sua consciência dos meios e dificuldades que o país enfrenta para concretizar planos e projetos para um Brasil melhor vai além dos nossos calcanhares e conhecimentos. Estamos votando uma normativa para que nosso documento tenha seu nome e que sua presença seja solicitada sempre que possível nos nossos, agora, graças a ele, Congressos.
Pesquisamos com amigos, professores, membros de Associações e pessoas ligadas a movimentos de transformação social em tempos passados, e descobrimos que Will Damas ( Wilson Damas ), foi um dos mais corajosos e aguerridos
defensores de uma mudança radical do comportamento político em nosso país, sofrendo com castigos da época, todo tipo de agressão pelo regime ditatorial. Preso com 16 anos, quando já estudante da Faculdade de Sociologia e Política de São Paulo, e que nunca fez questão de ser citado ou nominado pelo seus feitos. Estamos apontando para uma falha histórica do nosso Brasil. Entramos em contato antes da formatação deste documento; humildemente, do mesmo modo como atuou em Louziânia, apontou falhas no documento, esclareceu dúvidas, e pediu que seu nome não fosse citado, (com humor) ,
pois não era mais "jovem" e esse documento deveria ser de "jovens". Sabemos que este documento é "nosso", mas contrariando seu desejo, escrevemos este parágrafo, nós todos, representantes de todo o Brasil, por acreditarmos relevante sua participação, e não incutirmos no mesmo erro de historiadores de época passadas, de não creditar às pessoas certas, a dignidade, a ética e principalmente, a solidariedade e luta de homens que mudaram este país. A sua atuação quando jovem, como coordenador político para organização da UNE, União Nacional dos Estudantes, nos difíceis tempos da ditadura, e que por razões pertinentes, abandona sua luta partidária para ser co-fundador do CCA – Centro de Cultura Anarquista, (1967) por não concordar com a "covardia" dos, então atuais gestores do movimento estudantil que, hoje, se auto-nominam "torturados", "exilados", etc, e que, em sua maioria, como podemos descobrir através do tempo e da história, foram "auto-exilados", e que hoje usam esse jargão de "vítimas" nos seus postos de escalão governamental, nas suas áreas de atuação, para sensibilizar os mais desatentos para suas propostas, foi o estopim para a formação de um sociedade civil organizada para combater o então, atual regime. Após este esclarecimento e reconhecimento, estamos divulgando as propostas, tiradas em reuniões regionais.
A Rede surgiu no âmbito da Cúpula das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92), para defender
a importância das comunidades da floresta no desenvolvimento sustentável da região, e funciona com 16 coordenações regionais distribuídas pelos nove estados amazônicos. Reúne entidades de pescadores, de agricultores familiares, de seringueiros, de povos indígenas,  de quilombolas, de ribeirinhos, de quebradeiras de coco abaçu, ambientalistas, de assessoria técnica, pesquisa e direitos humanos. Desenvolveu-se e cobriu todo o Brasil, e nos proporcionou esse Encontro, para a formação de uma Rede Independente de líderes jovens. Nos últimos dez anos, enquanto os grandes projetos de infra-estrutura continuavam o padrão predatório, centenas de iniciativas comunitárias criavam um novo modelo de esenvolvimento amazônico baseado no manejo sustentável de recursos naturais e na gestão participativa de políticas públicas. Em alguns casos, esse modelo foi assumido por diversos setores públicos, criando novas maneiras de pensar e agir em conjunto com a floresta e suas comunidades.
No entanto todo esse processo não está sendo levado em consideração por muitos dos atuais dirigentes federais, estaduais e municipais e isso tem gerado o crescimento da violência no campo, a partir das ações de quadrilhas organizadas de invasores de terras públicas. A ausência do Estado e a impunidade têm proporcionado o desmatamento ilegal, a expulsão de comunidades, a morte de lideranças indígenas tradicionais e de agricultores familiares, a invasão de áreas já protegidas por lei e o incentivo ao latifúndio, com o favorecimento de grupos que depredam a Amazônia. Ressaltamos o empenho lúcido de setores como é caso exemplar da ministra Marina Silva. Diante dessa situação, a Rede denuncia a inviabilidade de um modelo embasado apenas na proteção de algumas áreas com a devastação do restante do território amazônico. E reafirma a necessidade do desenvolvimento justo e sustentável como eixo para as políticas públicas em todos os níveis, exigindo ações
imediatas em defesa das comunidades da floresta e de suas lideranças, principalmente no que se refere a:
1. Implementação de grandes projetos de infra-estrutura na Amazônia que estimulem o latifúndio, a expulsão de comunidades, a perda da biodiversidade, a especulação de terras. Como são exemplos preocupantes os projetos dos gasodutos Urucu-Coari, Urucu-Porto Velho e Urucu-Manaus, as hidrovias nos rios Madeira e Araguaia-Tocantins, as barragens hidroelétricas do Complexo Madeira, de Belo Monte e dos rios Araguaia e Tocantins. As rodovias como a Cuiabá-Santarém, Manaus-Porto Velho, Rio Branco-Cruzeiro Sul. Diante desses riscos, a Rede propõe uma moratória a grandes projetos propostos pelo governo até a realização e apresentação de estudos de impacto ambiental e social qualificado com a participação do Ministério Público Federal e da sociedade civil organizada.
2. A falta de ordenamento fundiário efetivo tem contribuído para o aumento de conflitos e violência no campo. Isso envolve atentados e ameaças a funcionários públicos, principalmente do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Fundação Nacional do Índio. O recente caso ocorrido com a diretora do Fundo Nacional de Meio Ambiente, Raimunda Monteiro, em Guarantã do Norte (MT), apenas expõe com mais veemência uma situação que já acumula mortes de muitas lideranças comunitárias. Em face disso, a Rede reivindica do governo federal um processo aberto, participativo e mais efetivo na criação e implementação de unidades de conservação e dos assentamentos. Esperamos não repetir o modo pouco participativo de criação do Parque Nacional do Tumucumaque e também que o Incra não promova assentamentos no entorno de áreas protegidas. Reivindicamos ainda a realização e o cumprimento do zoneamento socioeconômico e ecológico para todos os estados da Amazônia.
3. Estruturação institucional do governo federal, do ponto de vista das comunidades da floresta, ainda desarticulada e tendendo a repetir erros de governos passados. Uma evidência desse alerta é a contradição entre políticas propostas no
Plano Plurianual 2004-2007 e o Plano Amazônia Sustentável, ainda em discussão. Também os riscos da reedição da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e o sucateamento de organismos como Incra, Ibama
e Funai. Neste aspecto, a Rede propõe:
- definição da política indigenista que oriente a reestruturação da Funai, com abertura de concurso público, qualificação de recursos humanos e orçamento compatível;
- a criação de uma diretoria no Ibama e na Polícia Federal, especializadas nas relações com as populações tradicionais, com recursos humanos, equipamentos e orçamentos próprios;
- o cancelamento, por parte do Incra, dos protocolos prévios de grandes áreas, onde o desmatamento começa antes de quaisquer autorizações ambientais ou de posse regularizada;
- a integração dos ministérios, para que trabalhem de forma cooperativa e não conflitiva, consolidando uma política federal unificada para a Amazônia;
- a revisão do Plano Plurianual, com garantias de participação da sociedade civil em todo o
processo;
- a garantia de diálogo permanente entre governos federal, estaduais e municipais e a sociedade civil organizada, para formulação e realização dos programas e ações governamentais.
- o reconhecimento do Plano Amazônia Sustentável como norteador do Plano Plurianual para a região.
4 . Expansão de atividades econômicas impactantes, centradas na mineração, na exploração madeireira, expansão pecuária,
do monocultivo da soja e florestamento, que tem aumentado drasticamente as taxas de desmatamento, os conflitos sociais e a
concentração de renda nas áreas onde são implementadas. Não existe política de controle dessas atividades, comprovadamente predatórias, inviabilizando a implementação de modelos sustentáveis baseados nas experiências locais.
Diante disso, a Rede propõe que o governo federal adote medidas reguladoras destas atividades predatórias, impedindo a expansão indiscriminada e irregular dessas atividades, que trazem sérios prejuízos ambientais e exclusão social.
5. Empréstimos internacionais, tomados por governos que desconsideram processos participativos e experiências locais, também têm gerado impactos negativos. Constatando isso, a Rede propõe a suspensão de financiamentos a estados cujos governos promovam o desrespeito ao meio ambiente e suas comunidades ou incentivem a invasão de terras indígenas e
unidades de conservação. Ações emergenciais Criação imediata de força-tarefa para resolver conflitos fundiários e investigação dos Planos de Manejo Florestal nas regiões do Baixo Amazonas, Sudeste, Sul e Oeste do Pará, Norte do Mato Grosso e Rondônia. Garantia imediata de integridade física e territorial para o povo indígena Cinta- Larga, de modo a impedir novo genocídio em curso. Acionar o Painel de Inspeção do Banco Mundial sobre a situação das unidades de conservação de Rondônia criadas com empréstimos da instituição. Proteção dos conhecimentos das populações tradicionais e indígenas, em suas áreas de existência e em políticas adequadas de etnodesenvolvimento, para combater a biopirataria. Homologação imediata da terra indígena Raposa Serra do Sol (RR) e registro cartorial da terra indígena Uru-Eu-Wau-
Wau na área litigiosa do Burareiro (RO).
Regularização de critérios participativos para a concessão de rádios comunitárias, como um meio efetivamente amplo de comunicação para comunidades amazônicas. Implantação imediata do Programa de Desenvolvimento Socio ambiental da Produção Familiar Rural (Proambiente), para toda a Amazônia. Imediata implementação de processo participativo para
criação das unidades de conservação em Guarantã do Norte (MT). Definição de política para a pesca artesanal, incorporando a contribuição das comunidades. Apoiar financeira e tecnicamente as redes de produção sustentável na área de pesquisa de produtos, mercados, comercialização e certificação. Imediata recuperação da Transamazônica.

Grupo Nacional de Líderes Jovens em Defesa do Meio Ambiente
Carta 01- WD

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