Quando o hígido Michel Temer vira
poeta e Renan Calheiros — acusado pela Procuradoria Geral da República de
peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso — é apossado (com voto
secreto — o voto da covardia) na presidência do Senado Federal no posto número
três da sucessão republicana e entra no papel dando uma aula de ética e com
apoio do PSDB, um lado meu pergunta ao outro se não estaria na hora de sumir do
Brasil. Se não seria o momento de pegar o meu chapéu e de deixar de escrever,
abandonar o ensino das antropologias, desistir do trabalho honesto, beber fel,
tornar-me um descrente, aloprar-me, abandonar a academia (de ginástica, é
claro), deixar-me tomar pela depressão, desistir de sonhar, aniquilar-me, andar
de joelhos, dar um tiro no pé, filiar-me a uma seita de suicidas, mijar
sentado, avagabundar-me, virar puxa-saco, fazer da mentira a minha voz; e — eis
o sentimento mais triste — deixar de amar, de imaginar, de ambicionar e de
acreditar. Abandonar-me a esse apavorante cinismo profissional que toma conta
do país — esse inimigo da inocência —porque minha quota de ingenuidade tem sido
destroçada por esses eventos. Eu não posso aceitar viver num país que legaliza
a ilegalidade, tornando-a um valor. Eu não posso aceitar um conluio de
engravatados que vivem como barões às custas do meu árduo trabalho. “A ética
não é um objetivo em si mesmo. O objetivo em si mesmo é o Brasil, é o interesse
nacional. A ética é obrigação de todos nós e é dever deste Senado”, professa
Renan Calheiros, na sua preleção de po(s)se. Para ele, a ética, o Brasil, o
dever, o interesse, e as obrigações são coisas externas. Algo como a gravata
italiana que chega de fora para dentro e pode ou não ser usada. Façamos uma lei
que torne todo mundo ético e, pronto!, resolvemos o problema da cena política
brasileira — esse teatro de calhordices. A ética não é a lei. A lei está
escrita no bronze ou no papel, mas a ética está inscrita na consciência ou no
coração — quando há coração... Por isso ela não precisa de denúncias de
jornais, nem de sermões, nem de demagogia, nem da polícia! A lei precisa da
polícia, o moralismo religioso carece dos santarrões, e as normas de fiscais. A
ética, porém, requer o senso de limites que obriga a mais dura das coragens: a
de dizer não a si mesmo e, no caso desse Brasil impaludado de lulopetismo, a de
negar o favor absurdo ou criminoso à namorada, ao compadre, ao companheiro, ao
irmão, ao amigo. “O Zé é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo!”, eis a cínica
palavra de ordem de um sistema totalmente aparelhado e dominado pelo poder
feito para enriquecer que usa, sem compostura, o toma lá dá cá com tonalidades
pseudoideológicas, emporcalhando a ideologia. Quem é que pode acreditar na
possibilidade de construir um mundo mais justo e igualitário no qual a esfera
pública, tocada com honestidade, é um ideal, com tais atores? Justiça social,
honestidade, retidão de propósito são valores que formam parte da minha
ideologia; são desígnios que acredito e quero para o Brasil. Ver essa agenda
ser destruída em nome dos que tentaram comprar apoio político e hoje se dizem
vitimas de um complô fascista, embrulha o meu estômago. Isso reduz a pó
qualquer agenda democrática para o Brasil. O cínico — responde meu outro lado—
precisa (e muito) de polícia; o ético tem dentro de si o sentido da suficiência
moral. Ela ou ele sabem que em certas situações somente o sujeito pode dizer
sim (ou não!) a si mesmo. Isso eu não faço, isso eu não aceito, nisso eu não
entro. É simples assim. A camaradagem fica fora da ética cujo centro é o povo
como figura central da democracia. O que vemos está longe disso. Um eleito
condenado pelo STF é empossado deputado, Maluf — de volta ao proscênio —sorri
altaneiro para os fotógrafos, um outro companheiro com um passado desabonado
por acusações vai ser eleito presidente da Câmara; a presidente age como a
Rainha Vitória. E o Direito: o correto e o honesto, viram “direita”. Entrementes,
a “esquerda” tenta desmoralizar a Justiça porque não aceita limites nem admite
abdicar de sua onipotência. Articula-se objetivamente, com uma desfaçatez
alarmante, uma crise entre poderes exatamente pela mais absoluta falta de
ética, esse espírito de limite ausente dos donos do poder neste Brasil de
conchavos vergonhosos e inaceitáveis. Você, leitor pode aceitar e até
considerar normal. Eu não aceito!
terça-feira, 12 de fevereiro de 2013
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